Olhou a casa sufocada entre altos prédios. De novo sua mente fez acrobacias e ela sentiu-se meio como a casa. Uma mulher, que muitas vezes se sentia uma menina, amedrontada com as inúmeras possibilidades e desafios que a vida ia lhe oferecendo. E tinha ímpetos de ir a um jardim e ficar em companhia do vento, das árvores e das flores. Gostava do vento: do vento leve, da brisa, mas também tinha uma adoração pela ventania. As pessoas não compreendiam quando comentava que gostava de tempestades. Mas gostava e podia sentir o cheiro delas se aproximando. Entre árvores e brisa, ela sentia-se segura, acalentada, como as crianças quando se apegam aos seus amigos de pelúcia e aquilo lhes proporciona conforto. Também imaginava que era a brisa, e sendo brisa poderia ir tocar seus amores distantes.
Voltou a mirar a velha casa... sem dúvida era ela e aqueles prédios gigantes, monstros de toda espécie que tinha de enfrentar todos os dias. Era forte e resistia, mas era complexa demais e complicada demais para se explicar. Era mulher e era uma casa, e era menina e era um refúgio, e sorria e lutava quando tinha que defender suas crenças; e era rígida e era flexível. Tinha uns não-sei-o-quê que surgiam de vez em quando, que lhe deixava abatida, e não queria compactuar com sofrimento, mas era estranha, era mulher e era humana - mesmo que por vezes se sentisse como se não fosse desse planeta! Uma casa antiga no meio de muito concreto na megalópole. Mas sim, era humana e como todo ser humano cheia de “grandes-pequenos” defeitos, de “pequenas-grandes virtudes”. Sucumbia em ser... humana.
Amava e sofria por amor, e rejeitava sofrer por amor; distribuía afeto e recebia afeto, que nem sempre lhe parecia amainar a sua necessidade; sentia raiva e dizia que sentia, mas também não dizia e sofria por sentir a raiva. Quando parava para pensar sobre amor e raiva, o sentimento que permanecia nela, acima de todos os outros, era um... certo amor incondicional pela humanidade. E era por isso que acreditava, que um dia – que podia ser muito distante – a humanidade deixaria de maltratar uns aos outros. Sorria ao pensar nisso e chorava por imaginar o hoje.
Talvez fossem aqueles hormônios que deixavam a mulher, a menina, tão complexa e mesmo aquelas que não eram mães se comportavam um pouco, em algum momento da vida, como se o fossem, oferecendo seu coração e seu corpo como casa, como abrigo, numa docemente dolorosa rotina de perdas e ganhos. Olhou mais uma vez aquela imagem e sentiu sufocar, como a casa. Seguiu seu caminho, não olhou mais para trás.
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[O dia 08 de março é considerado o dia internacional da mulher para lembrar o fato ocorrido em Nova Iorque, no qual mulheres trabalhadoras da indústria téxtil protestavam contras às más condições de trabalho e a morte de outras em um incêndio criminoso durante os protestos. Desconsiderando o sectarismo feminista, pode-se tomar esse dia como um marco histórico no caminho da mudança das diferenças econômicas, sociais e políticas entre homens e mulheres. Minha convicção é por igualdade entre pessoas, seres humanos. E é esse equlíbrio, que creio necessário].