segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Lantejoula e bicho-homem

Rede para descansar... vontade!
Escrito daqueles que surgem por surgir... E lembrança de leitura antiga, em livro da escola. Creio que ajudou na formação das minhas convicções.
***
Vivia num mundo lantejoula. Lantejoula, lantejoula... Ficou repetindo mentalmente a palavra para que pudesse assimilar o significado dessa descoberta. Lantejoula, de acordo com o dicionário e segundo a vida tinha mostrado, são pequenas lâminas cintilantes, que enfeitam roupas de festas, fantasias de carnaval. Não são coisas usuais, poderia dizer mesmo que aparece esporadicamente.

Certo, isso devia ter um significado então, essa analogia boba, meio ridícula. Na verdade foi a sensação de vazio completo que lhe fez imaginar sua vivência de lantejoula, cintilante, cintilante... Até agora sua vida resumia-se aos amigos, família e trabalho, tudo muito certinho, tudo muito asséptico, como se, somente festas e carnavais houvesse.

Ao olhar pela janela do seu rico apartamento e ver o homem engolindo o resto dos alimentos que haviam sido depositados na calçada, em sacos de lixo, ela caiu nesse abismo, nesse vazio. O aperto no estômago era incômodo como um soco e observando em torno de si, se deu conta do seu mundo de lantejoula. Palavra primeira que se interpôs entre sua visão do homem e o observar do seu mundinho.

A única vontade que tinha agora era sentar e se deixar ficar imersa em pensamentos. Precisava resolver o que faria com a descoberta.

***
Sopro de Manoel Bandeira [O bicho ]

Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
Rio, 27 de dezembro de 1947