sexta-feira, 31 de julho de 2009

sexta-feira, 31 de julho de 2009

A outra janela

Imagem: Edward Hopper - Night Windows


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No apartamento da outra janela, o rapaz que ali morava, chegava quase sempre às dezoito horas. Ele sempre conseguia fugir do engarrafamento e descansar um pouco antes de sentar à mesa para escrever. Isso acontecia quase todas as noites. Saia pouco, e principalmente nas sextas e sábados.

Trabalhava numa livraria pequena, dentro de um museu, que vendia apenas livros de arte, culinária, turismo e materiais de escritório sofisticados. Excepcionalmente tinham alguns livros de poetas clássicos. Ele costumava dizer que era o emprego dos seus sonhos.

Apesar de passar várias noites escrevendo solitariamente, ele conhecia muitas pessoas, o trabalho fazia com que encontrasse entre os clientes, amigos que eventualmente se encontravam para falar sobre assuntos de interesse comum como literatura e arte. Era uma pessoa interessante, se não era belo para os padrões estéticos contemporâneos, tinha um rosto com traços marcantes e uma beleza peculiar, que era acentuada pela conversa incrivelmente encantadora. Fazia muito sucesso com as mulheres, apesar de ser um solitário por opção. Ao contrário da moça da janela, ele acreditava em amores eternos e aguardava ansioso pelo momento de um (certo) reencontro definitivo. Enquanto isso não acontecia, preenchia seu tempo escrevendo romances, poesias, tendo relacionamentos superficiais com algumas das muitas mulheres que se encantavam por ele.

A mesa que sentava para escrever – aliás, ele gostava de escrever da maneira antiga, com lápis ou caneta - ficava próximo a janela ampla de seu apartamento. De lá, um dia notou outra janela, de um apartamento que ficava na rua perpendicular a sua. A visão era ampla e viu uma moça parada, olhando na sua direção. Fingiu que olhava para outro local, mas a partir desse dia começou a acompanhar discretamente a rotina da moça. Gostava de imaginar o que ela pensava dele e tinha muita curiosidade sobre aquela moça solitária, que como ele passava muitas noites em casa.

Naquele dia, a moça não apareceu, as cortinas não se abriram completamente. Ele via a luz da televisão, mas não a via. Dispersou completamente dos seus escritos e pensava o que ela estaria fazendo. Foi despertado dos seus pensamentos pelo toque do telefone, no mesmo momento em que, do outro lado, a moça pegava o livro de Caio Fernando Abreu.

Do outro lado, ao telefone, a voz manhosa de uma mulher de cabelos lisos e dourados, magra e alta e muito, muito falante. Eles se conheceram na livraria e logo se entenderam, ela se encantou por ele. E ele, se encantou com o modo como ela chegava dominando todos os espaços e ainda assim, encantada por ele. Era uma das amigas com quem mais gostava de estar e sentia falta de seus momentos intímos, quando por algumas vezes ela desaparecia para cuidar dos seus muitos compromissos sociais.

Já fazia algum tempo que não se viam. Ela tinha acabado de chegar de uma viagem por alguns países da Europa e ligou para conversarem. Ele se esqueceu da outra janela e ao desligar o telefone, calçou rapidamente um sapato, pegou um casaco e foi ao encontro daquela mulher que lhe fazia esquecer o cansaço dos seus dias solitários.

Enquanto ele descia pelo elevador, a moça lá do outro lado, olhou pela janela, o perdeu de vista e foi dormir, controlando os estranhos sentimentos que se apoderaram dela. Enquanto ele bebericava vinho, ela sonhava que era criança e brincava de roda com mais um monte de outras crianças. O sorriso que iluminou seu rosto dormindo, clareou o quarto escuro. Logo seria dia e tanto ele quanto ela poderiam retomar suas rotinas. Ou ter mais uma oportunidade modificá-las.

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Aceitei a sugestão da Minnie (Blog 1 Momento Só) e dei continuidade ao post anterior, mas como isso é complicado, fico por aqui mesmo. Sem continuações outras. Obrigada pela sugestão, Minnie.
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quarta-feira, 22 de julho de 2009

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Insônia e solidão

Getty imagens - internet


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A moça estava sentada no sofá e olhou a sua volta: o livro esquecido na cadeira, a televisão sem som que mostrava mais um daqueles programas chatos de todos os dias. Olhou para a janela e vislumbrou a noite e as luzes lá fora. Conteve mais uma vez o impulso de ir olhar através dela e tentar enxergar o rapaz que ficava escrevendo, sentado próximo à sua própria janela no apartamento ao longe, mas não tão longe que não pudesse lhe acompanhar a rotina noturna.


Chegava em casa sempre próximo das vinte horas e ele, lá do outro lado, saía do quarto, organizava coisas em cima da mesa, buscava uma jarra com água e um copo, que depositava junto aos livros e papéis. Sentava, abria um livro, lia alguns trechos e depois escrevia por horas.

Acostumou-se a olhar a cena. Fazia suas tarefas com a cortina aberta e quando terminava tudo, ficava lá, parada. Era uma forma de companhia observá-lo, ela que muitas vezes era tomada por uma sensação de imensa solidão. Deu-se conta que isso virava um vício, acompanhar e imaginar as muitas histórias que aquele rapaz devia escrever – essa era sua fantasia. Aquele dia resolveu que não se aproximaria da janela. Iria ler um livro, ver um programa na TV, qualquer outra coisa. Entretanto, nada conseguia prender-lhe a atenção. Tinha vontade de encontrar o rapaz e conversar com ele, contar todas as suas impressões da vida e saber se era realmente um escritor, pois sabia que eles se dariam muito bem, conversariam como se conhecessem há tempos. Mas não tinha coragem para isso, contudo pensava no quanto perdia olhando o tempo passar.

Analisar a vida e os sentimentos era seu passatempo predileto. Acordava cedo, e entre caminhada, metrô e ônibus, demorava até duas horas para chegar ao trabalho. E era nesse momento que pensava na sua solidão, na das outras pessoas; olhava para cada rosto que passava e tentava imaginar suas dores e felicidades, mas tinha talento especial para imaginar a dor. E cada fisionomia contraída doía nela e, não raro, lágrimas indiscretas corriam de seus olhos, pois a dor alheia potenciava a sua própria.

Talvez se alguém a olhasse como ela olhava os outros, desvendassem sua solidão, mas não via ninguém olhá-la, muitas vezes sentia que podia entrar e sair dos lugares como se invisível fosse. Um olhar atento perceberia que aquele sorriso sempre aberto, não era acompanhado pelo olhar, que parecia buscar no além alguma emoção perdida.

Pensava nos amores, nas paixões, imaginava como seria um grande amor correspondido. Não acreditava muito naquele amor imortal que lia nos livros, tinha dificuldade de imaginar que os amantes pudessem se encontrar na mesma sintonia, mas não discutia isso, afinal, era simplesmente a sua impressão e podia estar distorcida por acontecimentos do passado. Se ela sonhava com um amor? Sim, sonhava! Mas era bem despretensiosa, quase distraída no seu querer. Seu amor não precisava ser ilimitado ou imortal, mas precisava de carinho, de respeito, de compreensão, de afago e afeto, de honestidade. Ao definhar o amor, saberia que tinha se entregue por inteira e vivido por inteiro sua emoção, sem máscaras.

Seguia sempre seu caminho com esses e outros tantos pensamentos. Ao encontrar o rapaz da janela, teria com quem conversar sobre seus sentimentos e queria ouvir os dele também. Talvez um escritor necessitasse dessa solidão, talvez não fosse um escritor, talvez não fosse solitário. Somente tinha uma "quase-certeza" que precisavam conversar e tinha medo que não acontecesse, que o tempo passasse e perdesse a oportunidade de encontrá-lo e todo o enredo criado nas longas noites à janela teriam sido em vão.

Naquela noite, não foi até a janela, pegou o livro que jazia na cadeira, abriu em qualquer página e coincidentemente [na verdade não, deve ter aberto nessa página de tanto que buscava aquelas frases] leu nela o trecho sublinhado a lápis de Para uma Avenca Partindo, do Caio Fernando Abreu, que mais gostava:

...deixa eu te dizer antes que o ônibus parta que você cresceu em mim dum jeito completamente insuspeitado, assim como se você fosse apenas uma semente e eu plantasse você esperando nascer uma plantinha qualquer, pequena, rala, uma avenca, talvez samambaia, no máximo uma roseira...em nenhum momento essa coisa enorme que me obrigou a abrir todas as janelas, e depois as portas, e pouco a pouco derrubar todas as paredes e arrancar o telhado para que você crescesse livremente, você não cresceria se eu a mantivesse presa num pequeno vaso, eu compreendi a tempo que você precisava de muito espaço...

Enquanto lia isso, novamente sentiu dor no peito, um aperto enorme, não sabia o quê aquilo queria dizer, ou sabia e não queria saber. Largou o livro e foi espreitar a janela. O rapaz não estava mais lá, o tinha perdido de vista, as luzes apagadas. Sentou e tentou não sentir desamparo, respirou fundo, organizou seu próprio espaço como se assim organizasse pensamentos e sentimentos, guardou o livro na estante e foi deitar, desejando que no caminho para o trabalho pudesse acontecer algo inusitado, que lhe fizesse sorrir com os olhos. Tanto lutou que não sentiu desolação e dormiu sorrindo as poucas horas que restavam antes da alvorada.


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sábado, 11 de julho de 2009

sábado, 11 de julho de 2009

Desejo e perigo - o filme

Ou: Dando um tempo de pensar que sei escrever alguma coisa.
Cartaz do filme

Linda fotografia!

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Eu sempre digo que meu gosto nem sempre agrada, mas vou indicar um filme novamente. Um filme chinês, que nem sei se ainda está em cartaz Brasil a fora, mas aqui ainda sim.

Não sabia nada do filme, então fui de curiosa, pelo título: Desejo e Perigo. A história se passa em Shanghai, na década de 40, no período de ocupação da China pelos japoneses, na segunda guerra mundial.

Um grupo de jovens universitários se reúne, primeiro para protestar contra a ocupação por meio de uma peça de teatro e depois eles resolvem formar um grupo de resistência, tentando "eliminar" um chinês, Sr. Yee (Tony Leung), que colaborava com os japoneses.

A trama se desenvolve a partir de uma das estudantes, Chia Chi Wong (Wei Tang), que é escolhida para seduzir Yee por conta do seu talento no teatro, facilitando a ação do restante do grupo. Entretanto, tenho comigo, e isso fica implícito no filme (na minha modesta interpretação), que sedução é uma via de mão dupla, do tipo tudo que vai, volta. E, é esse jogo perigoso que a bonita chinesinha se dispõe a jogar – no início meio a contragosto, por uma causa maior que seria "destruir" um inimigo do seu país.

É claro que não vou contar os meandros e o desfecho do filme, mas posso dizer que para o meu gosto particular é um bom filme, que vale o dinheiro do ingresso e as horas dentro do cinema. O diretor misturou alguns elementos que deram um tempero especial ao filme: política, suspense, romance e sexo. Sem falar que a delicadeza das falas e gestos dos orientais me impressiona bastante, e que, em determinados momentos, são sobrepujados pela paixão e passionalidade. A fotografia do filme também tem tudo de que gosto.

Recomendo para quem se interessa por cinema oriental, que não seja artes marciais.

O diretor é Ang Lee, que é responsável por outros filmes conhecidos como O Segredo de Brokeback Mountain (gostei), O Tigre e o Dragão (que eu gostei também) e (pasmem!) Hulk. O filme também ganhou o prêmio do Festival de Veneza em 2007. Mais alguma coisa? hummm... Desejo e Perigo é baseado em um conto de 1950 do autor chinês Eileen Chang, e dizem por aí que teria sido inspirado em um acontecimento real.


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Se tiver um tempinho, dá uma olhada no Trailer do filme

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domingo, 5 de julho de 2009

domingo, 5 de julho de 2009

Soltos versos, pobres versos

Imagem: internet


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Rodopiava leve.

Buscava o vento para entregar seu segredo.

Dormia mulher e acordava menina.

Acreditava na musicalidade da voz,

que sussurrava docemente ao seu ouvido:

- Preciso abandoná-la, mas te encontrarei na vastidão dos teus sonhos.

Lapidava seu sentimento como uma jóia,

percorria caminhos sem fim, com pés descalços,

na busca da sensatez e tranquilidade, só permitida aos muito loucos.

Assim soprava versos.

Soltos versos, loucos versos, pobres versos!

Que serviam de cajado para continuar rodando,

ou de apoio para sentar no caminho

e esperar quietar o coração.


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