sábado, 27 de junho de 2009

sábado, 27 de junho de 2009

Presença ancestral

Angel of Grief - escultura de William Wetmore Story (1894) - Túmulo dele e de sua esposa Emelyn no Cemitério Protestante em Roma

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Ao abrir a porta, foi teu cheiro que primeiro me recebeu.

Por esses dias andavas por perto, sorrateiro, ocupando espaços ao meu redor. Não era visível, mas podia te sentir em quase todas as coisas. Era tanta a certeza de que existias que, todos os meus sentidos notavam tua presença.

Se parasse para pensar nessas sensações não conseguiria uma justificativa plausível para tudo que vinha acontecendo, simplesmente sabia, sentia, vivia esse momento, afinal eu existia por ter esperança. Não importava o quê dissessem, queria ter a esperança dos ignorantes, que morrem acreditando que irão alcançar algo que todos sabem ser inatingível.

A minha certeza sempre foi a de quê, no dia que nos encontrássemos, seria como se já nos conhecêssemos desde sempre, pois nossas almas somente andavam perdidas, extraviando os carinhos, desejos e amores que eram um do outro, mas que ao mesmo tempo amadureciam para nosso encontro definitivo.

Hoje, ignoro quem te beije, mas beijo-te eu no meu pulsar. Ignoro quem te afague, mas afago-te eu no meu deitar. Ignoro quem te faz amor, mas amo-te eu no meu sonhar. E sei que no dia que te encontrar falaremos dos livros que lemos, dos sabores que provamos... vamos discutir pontos de vista discordantes, mas também vamos amar nas noites frias e de muito vento.

Hoje vais dormir e eu vou te encontrar no teu sonho, para que eu possa sentir de perto esse cheiro e esse gosto que ficou na minha memória... memória ancestral! Sei que existes, em algum tempo e em algum lugar, que és meu e sou tua, e vou te encontrar, nem que seja nesse sonho.


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sexta-feira, 12 de junho de 2009

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Mergulho

Imagem: internet


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Estava enredada, como em uma teia de aranha. Identificava os sintomas. Um dia já os havia sentido. Havia experimentado viver momentos felizes, mas felicidade era ente difícil de alcançar, sempre corria à frente.

Inevitavelmente, seus pensamentos viajavam na mesma direção, meses, dias, horas, sempre que a mente divagava. O primeiro pensamento do dia. O último também. Isso quando não invadia seus sonhos.

A ansiedade de um encontro, o frio no estômago que precede novas experiências. A vontade quase incontrolável de viver exclusivamente aquela sensação. Saber que não deve, não é suficiente para tirá-la do devaneio. Enxergar a solidão do sentimento, não a poupava de sentir vontade de mergulhar no poço de águas escuras. Identificar o quão raso é o lago, não bastava para impedir de querer se atirar de cabeça.

Sua alma lhe suplicava prudência, seu coração e seu corpo, lhe gritavam que queriam continuar, mesmo que ao emergir, restassem somente feridas a curar. Sabe tudo, sabe cada mínimo sentimento e angústia, mas nenhum conhecimento a livra da dor que essa entrega solitária irá provocar.


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terça-feira, 9 de junho de 2009

terça-feira, 9 de junho de 2009

Nave

Imagem: internet

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Depressa!
Uma nave vem surgindo!
Naquela seta, ou será naquela árvore?
...
Não é uma nave.
é uma Lua, um satélite,
um Ser Órfão em busca de companhia.
...
Me dá teu brilho
e me entrego por ti.
Sou nave no céu da tua existência.
Céu infinitamente azul ou negro.
A cor não importa, face prata,
corrida, procura, desilusão.
...
Também sou só,
Me encontro, te cobre,
Me alimenta.
...
Um Deus, um Poeta,
que espreita teu corpo,
Se lava no meu,
Se compadece e endoidece.
...
Na tua imagem me envaideço
Te capturo, e presa, sonhas
os sonhos de todos, comigo,
em mim.
Mas te liberto, não sufoco teu brilho.
Te liberto para alcançar minha liberdade,
meu desejo.
...
Encontrarás um Sol,
e me trarás um Astro.
De longe te encontro, por fases,
por ciclos.
No cosmo, um amor completo,
irreal e brilhante.
Navego sempre, contigo,
em ti,

a nave,
o abrigo estelar...

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quinta-feira, 4 de junho de 2009

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Vertigem em sonho

Imagem: peguei na internet


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Sentada, em algum lugar qualquer, a sensação que tenho é que a luz vai findar, o som da música irá sumir e todos os sentidos desaparecerão. A queda é inevitável, o abismo é profundo e toma o corpo desprevenido. Assim, flutuo numa descida vertical.

Resisto à queda tensionando meus músculos, deixando em alerta meus sentidos. Passado o primeiro momento de surpresa, relaxo e me deixo levar pela leveza do vácuo e pelo inusitado da situação. Aproveito a viagem em queda livre e ouso lembrar de ti, sentindo tua presença ao meu lado. Logo, tua imagem é física e sinto teus abraços e o carinho que me toca em ondas, vejo teu rosto que me sorri e teu corpo que se oferece ao meu. O voo segue, e é uma espécie de desmaio o que sinto, só não distingo se é da queda ou do cheiro que se desprende do teu corpo que me acompanha nessa alucinante vertigem.

Não se diferencia mais prazer e medo. Meu cérebro só registra teu cheiro e teu calor. Há em mim um prazer inusitado, sem medida e navego no ar. A queda diminui até estancar definitivamente e tenho a certeza que isso não foi ilusão. Mas minhas pálpebras se abrem buscando ao redor sinais de ti e da tua perplexidade, ao olhar meus olhos iluminados da viagem e úmidos por saber que os sonhos nem sempre são possíveis (de realizar!).

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segunda-feira, 1 de junho de 2009

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Poesia Matemática - Millôr Fernandes

Imagem: Rude Rucker - achei a imagem e curiosidade: o pintor é matemático!!! Descobri AQUI

E já que maio é findo, junho pede urgência! Urgência de tantas coisas! Se maio eu considerei um mês romântico e feminino, junho é o mês dos namorados. Mas isso é história para um outro post.

Mas pegando carona no tema do namoro e considerando que chegaram tantas pessoas aqui, no Sopros, buscando a Poesia Matemática do Millôr Fernandes, vou deixá-la para que possam conferir esse poema interessante. Pareço inspirada para posts, blogs e coisas do gênero?


Poesia Matemática - Millôr Fernandes


Às folhas tantas do livro matemático

um Quociente apaixonou-se um dia doidamente

por uma Incógnita.

Olhou-a com seu olhar inumerável e viu-a do ápice à base

uma figura ímpar;

olhos rombóides, boca trapezóide, corpo retangular, seios esferóides.

Fez de sua uma vida paralela à dela

até que se encontraram no infinito.

"Quem és tu?", indagou ele em ânsia radical.

"Sou a soma do quadrado dos catetos.

Mas pode me chamar de Hipotenusa."

E de falarem descobriram que eram

(o que em aritmética corresponde a almas irmãs)

primos entre si.

E assim se amaram

ao quadrado da velocidade da luz

numa sexta potenciação traçando ao sabor do momento

e da paixão

retas, curvas, círculos e linhas sinoidais

nos jardins da quarta dimensão.

Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclidiana

e os exegetas do Universo Finito.

Romperam convenções newtonianas e pitagóricas. E enfim resolveram se casar

constituir um lar, mais que um lar, um perpendicular.

Convidaram para padrinhoso Poliedro e a Bissetriz.

E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro

sonhando com uma felicidade integral e diferencial.

E se casaram e tiveram uma secante e três cones

muito engraçadinhos.

E foram felizes até aquele dia em que tudo vira afinal monotonia.

Foi então que surgiu O Máximo Divisor Comum

freqüentador de círculos concêntricos, viciosos.

Ofereceu-lhe, a ela,

uma grandeza absoluta

e reduziu-a a um denominador comum.

Ele, Quociente, percebeu que com ela não formava mais um todo,

uma unidade.

Era o triângulo, tanto chamado amoroso.

Desse problema ela era uma fração, a mais ordinária.

Mas foi então que Einstein descobriu a Relatividade

e tudo que era espúrio passou a ser moralidade

como aliás em qualquer sociedade.


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