domingo, 14 de setembro de 2008

domingo, 14 de setembro de 2008

Para uma avenca partindo - Caio Fernando Abreu


Hoje, para iniciar a semana, selecionei um trecho do Caio Fernando Abreu. Caio nasceu em Santiago do Boqueirão (RS) em 1948 e faleceu em Porto Alegre (1996). Foi jornalista e escritor e seus escritos versam sobre sexo, medo, morte e solidão.
Há horas que estou pensando em publicar aqui, pois é mais um escritor sensível, que me encanta. Como é meu hábito, vou transcrever somente alguns trechos que foram extraídos do conto Para uma avenca partindo (Fragmentos – 8 histórias e um conto inédito, L&PM).
A música que está tocando é Valsinha, do Chico Buarque, que é linda, que amo e que achei que combinava - um pouquinho pelo menos - com o texto do Caio.

Tenham todos uma bela semana.

***

Sopro de Caio Fernando Abreu

- Olha, antes do ônibus partir eu tenho uma porção de coisas pra te dizer, dessas coisas tão difíceis de serem ditas que geralmente ficam caladas, porque nunca se sabe nem como serão ditas nem como serão ouvidas, compreende?...

...é verdade que eu sabia, que havia uma outra coisa atrás e além de nossas mãos dadas, dos nossos corpos nus, eu dentro de você, e mesmo atrás dos silêncios, aqueles silêncios saciados, quando a gente descobria alguma coisa pequena para observar, um fio de luz coado pela janela, um latido de cão no meio da noite...

...você cresceu dentro de mim dum jeito insuspeitado, assim como se você apenas uma semente e eu plantasse você esperando nascer uma plantinha qualquer, pequena, rala, uma avenca, talvez uma samambaia, no máximo uma roseira...em nenhum momento essa coisa enorme que me obrigou a abrir todas as janelas, e depois as portas, e pouco a pouco derrubar todas as paredes e arrancar o telhado para que você crescesse livremente, você não cresceria se eu a mantivesse presa num pequeno vaso, eu compreendi a tempo que você precisava de muito espaço...

(Para uma avenca partindo - CFA)