
(Cântico Negro)
(Cântico Negro)
“Es (el tango) un pensamiento triste que se baila” (Enrique Santos Discépolo)
Agradecimentos especiais a Lu do Voz Ativa pelos selos e pelo carinho
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Sopro de Clarice
...
Não. Toda compreensão súbita é finalmente a revelação de uma aguda incompreensão. Todo momento de achar é perder-se a si próprio. Talvez me tenha acontecido uma compreensão tão total quanto uma ignorância, e dela eu venha a sair intocada e inocente como antes. Qualquer entender meu nunca estará à altura dessa compreensão, pois viver é somente a altura a que posso chegar – meu único nível é viver. Só que agora, agora sei de um segredo. Que já estou esquecendo, ah sinto que já estou esquecendo...
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Sopro de uma lembrança
Vamos de Mário Quintana novamente.
Sopro de Quintana
Na bola de cristal procuro meu futuro:
futuro tão brilhante que aos olhos me faz mal...
Não, não esse brilho fácil da girândolas,
mas uma súbita, silenciosa explosão de cores
- prenúncio da total
subversão! -
até que então o Grande Mágico
regendo o novo Caos
(...e mesmo porque nada pode ser destruído...)
até que o Grande Mágico
- afinal -
com todos os espantosos subprodutos da última Bomba H
recomponha o milagre de cada indivíduo!
(O futuro - MQ)
Acordei meio atordoada com uma explosão e fiquei uns minutos tentando entender o que se passava. Seriam fogos de artifícios? Será que é dia de GRENAL e eu não sei? Levantei e fui para a caminhada matinal. Dia frio, céu chumbo e vento cortante. No brique da Redenção tudo meio parado. Lembrei! Hoje é sete de setembro, comemoração do dia da pátria. Há desfile, parada militar. Devem estar todos lá. Resolvi caminhar até o acontecimento, pois já estava na rua mesmo...
Sempre me impressiono como esse evento encanta as pessoas. Uma herança dos tempos da ditadura para “justificar” patriotismo. Patriotismo? Bom, sei lá. Só sei que me impressiono. Fiquei lembrando-me dos tempos de colégio, eu não era obrigada a desfilar – já tinha ocorrido a “abertura política” - mas participava na torcida das bandas do colégio. Era divertido, uma interação e uma disputa saudável.
Continuei caminhando e vendo o rosto dos soldados, uns muito novos e eu pensando: será que eles sentem mesmo isso que estão gritando? Talvez quisessem estar em outro lugar qualquer, também não sei. Pensei em quanto suas famílias deveriam agradecer de não ter que enviá-los à guerra. Está bem, vivemos discutindo a guerra urbana em que nos encontramos. Mas não posso imaginar o que seria ter que usar aquele armamento pesado – e “fora de forma” que vi passar - para “eliminar o inimigo”. Eles estão lá, para nos defender de um inimigo – que nos é invisível até agora - se isto os exigir.
Que triste viver num mundo no qual é necessário manter cidadãos nas casernas se preparando para combate, com o orgulho “na ponta do fuzil”, enaltecendo o uso das armas. Melhor seria prescindir de tal serviço e talvez utilizar toda essa juventude em ações de paz. Senti uma piedade de mim, deles, de nós. Uma melancolia de ver aqueles rostos tão jovens gritando gritos de guerra. Nossos “inimigos” são tão outros, nossa pátria carece mesmo é de um ufanismo positivo, construtivo, que pense resoluções para nossos problemas sociais, para uma divisão de renda que seja justa.
Precisamos muito eliminar inimigos que mandam o produto do nosso trabalho para paraísos fiscais, extraindo do nosso povo o direito à cidadania, que passam poucas horas na cadeia e muitos anos corrompendo e criando uma rede de contatos que os libertem rapidinho para novas falcatruas. Nosso inimigo está aqui e planeja “estratégias de guerra” para manter o analfabetismo, a informação truncada, que gera todos os problemas sociais que todos nós conhecemos. A estratégia que vai lhes manter no centro do poder econômico.
Nosso principal inimigo está aqui e não são os urutus, os fuzis que vão eliminá-lo. Depois de pensar tudo isso, lembrei-me das explosões que ouvi ao acordar, certo que não pretendo ouvir esse som e sim a sonora canção de cidadãos que saibam ler e compreender um texto de um dos autores que tanto gosto de publicar aqui.
Feliz Brasil para todos nós.
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Em tempo: como tudo muda o tempo todo, o céu chumbo deu lugar a um céu azul inigualável!
Tenham todos uma ótima semana!
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Sopro de Fernando Pessoa
Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
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Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
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Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo : "Fui eu?"
Deus sabe, porque o escreveu.
(Não sei quantas almas tenho - F. Pessoa)
Só a magia colorida do pôr-do-sol me carrega a sonhar novamente.
E pinta o céu de alaranjados, azulados, lilases, amarelados.
Em cada tonalidade descubro um mundo, um ser, um carinho.
Tocam-me todas as cores, me arremesso sobre elas,
que abraçam, me sorriem e me remetem aos sonhos.
Sonhos fugazes, vívidos, como de uma época que nunca passou, por mais que o tempo insista em correr.
Os morros em primeiro plano vão se tornando escuros, esses são meus dias atuais.
Por traz deles a maior e mais bonita iluminação que sequer alguém imaginou,
Essa luz sou eu - ou a luz dos meus devaneios.