segunda-feira, 13 de outubro de 2008

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Segunda-feira e...paixão

Cena do Filme Memórias de uma Gueixa

Se o sábado é a flor da semana, segunda-feira é o quê? Não sei, só sei que muito chato. Passamos dois dias em casa, na traquilidade - às vezes nem tanto, pois professor tem trabalho sempre e outras profissões também - com pessoas queridas, enfim, sempre tem algo bom para se fazer, além de poder dormir até mais tarde. Hummm.

Vou começar a segunda-feira com uma crônica do mineiro Affonso Romano de Sant'Anna. Chama-se Variações em torno da paixão. Andava com vontade de escrever algo dele por aqui e eis que chegou a hora. Muito que gosto de crônicas, como gosto de poesia. Enfim, gosto de literatura.

A crônica já foi publicada em jornais, mas ela é uma interessante abordagem sobre a paixão. E sendo "uma abordagem" pode haver controvérsias, mas há muito escrito ali que quem já se apaixonou sabe que viveu. Foram suprimidos alguns poucos parágrafos... Há um livrinho de crônicas do autor, desses tipo coletânea, que é mais barato e se alguém tiver interesse em ler outras, fica a dica (Tempo de delicadeza, LP&M).

Vamos lá então!

***

Sopro de Affonso Romano de Sant'Anna


Paixão é a alucinação amorosa.

E os apaixonados são de duas espécies: os generosos que se dão inteiramente, se jogando estabanadamente nas mãos do outro, e os possessivos, que querem que o outro se incorpore a eles convertidos em sombra viva.

Mas talvez haja um terceiro tipo: o dos que não se apaixonam, mas despertam paixões. Na impossibilidade ou no medo de se apaixonarem, posto que paixão é abismo, alimentam-se da paixão alheia, ou melhor, incentivam a paixão em torno para preencher algo em si.

Paixão, por isto, é arma de dois ou três gumes. E corta. E sangra. Se não sangrou, se não teve insônia, se não desesperou, se não ficou com a alma dependurada num fio de telefone, se não ficou exposto na úmida espera, paixão não era.

Talvez fosse desejo, que o desejo é diferente.

No desejo a gente quer o outro para possuí-lo apenas passageiramente. É como se fosse um apetite despertado por um fruto ou alguma comida saborosa que saliva nossos sentidos. É como se fosse possuir um objeto na vitrina. É um desejo de posse natural, estético, erótico, mas, sendo mais desejo que qualquer outra coisa, isto vai passar.

E passa.

A paixão, não.

Na paixão a gente quer se fundir com o outro. Para sempre. De corpo e alma. Perde totalmente o centro de gravidade. Transfere a moradia de seu ser para a casa do ser alheio. É como se vestisse a pele do outro. E se o outro disser assim: "Vai ali buscar aquela estrela ou mesmo a Lua" (como naquele lindo conto de Murilo Rubião chamado "Bárbara"), se o outro disser isto, a gente vai airosamente buscar o que ele quer.

E se o outro disser: "Não estou gostando do seu nariz", a gente opera, corta, joga fora, não só o nariz, mas qualquer outra coisa, porque nesse caso, qualquer palavra ou sugestão é ordem.

A paixão é boa?

A paixão é ruim?

Ninguém sabe. Ela acontece. Como certas tempestades, ela acontece. Assim como depois dos vendavais os elementos da natureza já não são os mesmos, ninguém será o que era depois do desvario da paixão.

Vidas renascem com a paixão.

Outras viram cinzas por causa dela.

E há pessoas que são como aquela ave mítica, a Fênix, vivem renascendo das cinzas da paixão.

Marx, portanto, errou completamente. Não é a luta de classe que move a história, é a paixão. Paixão é revolução a dois. Ela desafia o sistema. Diante dela a comunidade fica abalada. A paixão é anti-social, é egoísta, no que é diferente do amor maduro, longo e duradouro, que fecunda a vida dos amantes e reforça os laços da comunidade...
...

Existe diferença entre amor e paixão?

No amor, claro que há luminosa coabitação. Mas o amor é também paciente construção. Já a paixão é arrebatamento puro e aí a voragem é tão grande que pode tudo se esgotar de repente.
....

Há gente que vive se inventando paixões para viver, que vive morrendo de amor. E há gente que organiza toda sua vida em torno de uma única e consumidora paixão.

Paixão é transgressão...
...

A paixão tem cor. Mais que vermelha e rubra, é roxa. Pressupõe morte e ressurreição.

De paixão vivemos muito.

De paixão morremos sempre.