segunda-feira, 27 de outubro de 2008

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Vaidades ou frivolidades femininas?

Cena do filme A insustentável leveza de ser



Esses dias eu estava passeando numa livraria e vi mais um livro de Clarice Lispector e que me chamou atenção pelo título Só para mulheres. Eu imagino que até hoje os livros dela devem vender muito, para que os editores continuem “catando” coisas dela para publicar.

Esse livro em questão é uma compilação da Clarice colunista feminina, em diferentes jornais e sob diversos pseudônimos. Os codinomes foram Tereza Quadros, Helen Palmer e Ilka Soares. Os temas alternavam entre conselhos de beleza, receitas e segredos. Nada muito diferente das milhares de revistas femininas que lotam as bancas de revistas e que, por se multiplicarem, certamente têm seu público cativo, caso contrário já teriam se extinguido.

O interessante disso é o registro histórico do comportamento feminino na década de 50, os chamados anos dourados. Somos modernas, independentes, assumimos posições de chefe de família, podemos ter mais ou menos dinheiro, mas sempre somos minimamente vaidosas. Eu creio nisso, pois por mais desencanadas que sejam as mulheres que conheço, sempre tem uma vaidadezinha que faz parte da nossa personalidade.

E essas coisas escritas por uma mulher que escrevia coisas tão... psicologicamente densas e complexas, é uma curiosidade e tanto – pelo menos para mim – admiradora descarada dela. Sobre a vaidade ela escreveu, em um texto intitulado Aparência: tudo tem jeito:

Você é "moralmente" tão antiquada a ponto de considerar vaidade feminina uma frivolidade? Você já devia saber que as mulheres querem se sentir bonitas para se sentirem amadas. E querer sentir amada não é frivolidade...
...Quer saber de uma coisa? Obesidade tem jeito. Cabelos sem vida tem jeito. Rosto sem graça tem jeito.
O remédio? O remédio é não ser uma desanimada triste. E o outro remédio é ter como objetivo ser um “você mesma” mais atraente – e não o de atingir um tipo de beleza que nunca poderia ser o seu.

O diferente de hoje em dia, é que se abre uma revista das que citei acima, e lá aparecem os tratamentos mais caros para que nos transformemos em outra pessoa. Hoje, se você tiver dinheiro, pode ter um rosto, cabelo, corpo completamente diferente do original de fábrica.

A indústria da beleza é uma que mais progride nesse mundo-supermercado, os cosméticos que prometem coisas inimagináveis, as cirurgias plásticas e por aí vai. Confesso que não sou o tipo de pessoa que diz: nunca farei tal coisa. Mas sou criteriosa com essas novas tecnologias em... "saúde". Por hora, me contento com o cabeleireiro, a manicure, uma esteticista de vez em quando. Por enquanto, não posso dizer nada do por vir.

Além disso, um batom, um lápis nos olhos, um corretor de olheiras (após uma noite insone), um rímel, dá um ar mais saudável ao rosto. Bom de olhar ao espelho! Um bom perfume, hummm. Isso quando se fala em produtos...

***

Por fim, Hilda Hilst, o poema que deveria ter sido antes e foi substituído.

***

Sopro de Hilda Hilst

XII

Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo. Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
desejasse

Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.

Te olhei. E há um tempo
Entendo que sou terra. Há tanto tempo
Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta
Olha-me de novo. Com menos altivez.
E mais atento.

De Júbilo Memória Noviciado da Paixão (1974)